FORTALEZA DOS NOGUEIRAS – Jovem suíço dedica tempo e energia para angariar fundos e ajudar pessoas a desenvolver seu pleno potencial

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Yves Störi fundou a ONG Construindo Sonhos, que através da Associação Precavi promove cursos profissionalizantes e já construiu casas para pessoas carentes.

Como já dito em outras matérias – aqui mesmo neste portal, palavras como: solidariedade, olhar o outro e empenho pelo social, são perfeitamente adequadas a Yves Störi – jovem suíço, que deixou contagiar-se de amor por gente que ele sequer tinha ouvido falar. E foi lá nos idos de 2012, quando veio ministrar aulas de músicas (teclado e gaita) no Centro Cultural de Educação Sócio Profissional Miguel Dell’Acqua.

Yves Störi: Atendendo o bem pela alegria de servir.

E não parou mais de “atender o bem pela alegria de servir”, como já disse certa vez, Chico Xavier, “sem cobrar tributos para viver”. E foi exatamente o que Störi fez: ajudar pessoas no momento oportuno da necessidade, apenas pelo prazer de vê-las felizes. Foi assim que, há oito anos através da Associação Precavi (Preparação da Criança e do Adolescente para Vida), ele tem dado a mão ao próximo, doando-se ao outro com a promoção de cursos profissionalizantes grátis para inseri-los no mercado de trabalho, bem como propiciando dignidade aos que não tinham uma moradia.

Störi nos contou como decidiu vir para Fortaleza dos Nogueiras, partilhou de seu sonho e externou que se não fosse o Programa Vida Nova da Associação Precavi, jamais estaria oportunizando a tantas pessoas a chance de dignificar suas vidas.

Como surgiu a ideia de vir a Fortaleza dos Nogueiras?

Na Suíça todo homem tem que fazer os exércitos – um ano inteiro. Eu fiz meio ano, mas também eles oferecem uma oportunidade de fazer um serviço social. E tinha muito trabalho nos hospitais, centro de idosos… e eu vi alguma empresa que oferecia um serviço no exterior e, fui atrás dessa empresa pois era possível viajar o mundo e receber um salário. Então eu fui lá naquela empresa onde tinha uma entrevista de 4 horas – em francês – que não é minha língua natural, mas eu falo francês também. Então consegui o emprego lá. Eles estavam procurando um professor de música, eu já entrei no processo. Ofereceram um local em São Paulo, tudo bem organizado e, também no Rio de Janeiro. E a terceira opção foi Fortaleza dos Nogueiras no Sul do Maranhão e, eles não sabiam onde era mesmo e nem como estava a situação lá/aqui. E eu falei: para lá eu vou.

Você não sabia nada a respeito ou quase nada?

Muito, não. Eu sabia que tinha as Irmãs Franciscanas aqui. A Irmã Claudete, eu tinha o contato dela. Ela me falou a respeito, me falou sobre o Centro Miguel Dell’Acqua e do Programa Vida Nova e que eles estavam procurando um professor de música; as crianças estavam ansiosas para aprender uma coisa de gaita [aprender a tocar] e, eu falei: lá eu vou. Porque lá é no meio da natureza.

Então você era professor de gaita…

Sim. Aqui no Vida Nova. Eu trouxe 50 gaitas. Professor de teclado e violão também. Eu acredito que a gente deve ir pra um lugar onde as coisas não estão bem organizadas e que tem outras coisas pra ajudar, pra fazer. Pois no Rio e São Paulo já está bem melhor. Eu decidi vir para o interior do Maranhão porque pesquisei que este é um dos estados mais pobres e que aqui a porcentagem do analfabetismo é também muito alta. Pensei que aqui a gente podia mesmo mudar vidas, que valia a pena vir para cá.  Mesmo longe, mesmo com muitos animais perigosos (risos).

E aí daí então começou a idealização da criação da Associação Construindo Sonhos.

Foram três passos. Primeiro vim para cá como professor de música por sete meses. Acho que vivi o melhor tempo da minha vida aqui, porque eu acho a profissão de professor de música a melhor que tem, pois você pode ensinar alguém a fazer uma coisa muito bonita – música. Em uma noite eu cheguei com a Irmã Claudete na casa da Maria das Dores; uma família muito simpática, muito querida e, a casa dela de barro, taipa com o telhado de palha. Eu fiquei assim… com pena, porque eu tinha a minha remuneração dos exércitos da Suíça e, ao mesmo tempo aqui eu aprendi o português, eu fiz muitos amigos. Eu podia trabalhar como professor de música no Centro Miguel e sou muito orgulhoso disso. Então naquela família eu vi uma realidade muito difícil: quando choveu entrou água na casa, passou por dentro e saiu. Eu fiquei com pena, porque eu ganhei a minha renumeração e também pude aprender muitas coisas para mim pessoalmente, de cultura do Brasil e tudo. Eu falei: lá eu vou ajudar. Então foi no início de dezembro de 2012; fizemos o orçamento e construímos a Casa da das Dores e seu Zé, e foi entregue como presente de natal de 2012. Então fui embora para Suíça, com algumas lágrimas, por que gostei demais daqui; terminei minha pós-graduação em Direito e Economia e voltei de novo para cá, porque sabia que aqui tem ainda mais família que merecem/precisam de ajuda. Juntei lá o dinheiro na Suíça, perguntei os amigos, os empresários: “me dá um dinheirinho para eu ajudar aqui as famílias”. Voltei em 2014 e foram feitas mais de três casas com ajuda do pessoal de lá.


Acho que vivi o melhor tempo da minha vida aqui, porque eu acho a profissão de professor de música a melhor que tem. Pois você pode ensinar alguém a fazer uma coisa muito bonita – música.


 

Mas já tinha a associação?

Ainda não. Mas nesse tempo mesmo surgiu a ideia, porque a minha vida é na Suíça, mas aqui é minha segunda terra natal; sempre vou voltar, porque gosto muito daqui. Mas minha vida é lá e, como eu não poderia voltar a cada ano para trazer o recurso para cá, eu queria criar uma coisa mais sustentável a longo prazo. Então eu fundei a Mauern Füs Leben, que numa tradução livre significa: Construindo Sonhos. Eu vi o Paulo Marcos – o pedreiro da obra e, ele me ensinou como botar tijolo, fazer massa. Eu percebi que eu como estrangeiro, ele deu conta de me ensinar, então sugeri que fizéssemos um curso de pedreiro para o pessoal daqui. Ele entrou como o primeiro professor. Isso foi no mês de fevereiro de 2015.

Então você veio se sensibilizou com uma pessoa que tinha uma casa em condições não favoráveis e, foi a primeira casa construída, daí surgiu a luz: é interessante criar um curso de pedreiro.

Foi assim mesmo. A primeira casa foi da minha remuneração, as três seguintes foram os recursos que eu trouxe de lá para cá, de pessoas simples que me deram 10 reais, 15 reais; juntei para fazer as três casas. E depois surgiu a ideia dos cursos, pois seriam mais pessoas beneficiadas.

E é algo deveras inédito um curso de pedreiro aqui em Fortaleza.

Sim. É!? Então foi feito o primeiro curso e gostei, porque deu certo. E daí fiquei sempre em contato com a equipe do Vida Nova, perguntando qual a demanda, qual profissão o pessoal daqui procura e, aí surgiu a ideia de um curso de eletricista. Então fui juntar o dinheiro lá e foi feito o primeiro curso de eletricista com o instrutor Félix. O projeto então começou com esses dois cursos. O primeiro feito em 2015 e a primeira casa em 2012 – o início de tudo.

De lá para cá foram feitas quantas casas?

Sete. Começamos com casas, mas agora são obras públicas, da comunidade. Agora estamos nos concentrando nos cursos que são públicos, que beneficiam um maior número de pessoas. Do curso de eletricista foi feito iluminação na quadra Gonzaguinha; na igreja matriz e também na igreja na Trezidela.

Quantas turmas de cada curso foram formadas/concluídas?

Fizemos cinco turmas do curso de pedreiro; duas de eletricista; e aí tivemos o curso de refrigeração, de mecânica de moto com parceria do Senai; curso de salgado; de confeitaria e de auxiliar de contabilidade junto com o Senai.

Uns dos cursos foram realizados em parceria com o Senai, mas todos eles com apoio da Associação Precavi. Sim?

Sim. Temos o nosso sistema, nossa parte que vem da Suíça, que é principalmente o apoio financeiro. Do outro lado tem a Associação Precavi que administra tudo, que entra em contato com Senai, faz as matrículas, os exames, os relatórios finais, que são enviados para nós. O terceiro parceiro é o Senai que nós contratamos para enviar o professor e, os cursistas, que são os mais importantes.

Projeto Multideca. Sabemos que a questão do meio ambiente é extremamente necessária. Eu diria que nos dias atuais é muito necessário se estar, não só em contato com a natureza, claro, mas protegendo-a. Então é um projeto que toca as pessoas, faz refletir. Porque você acha que deu certo o Projeto Multideca? Quais os desafios para a continuidade?

O que deu certo foi o primeiro passo: a gente começar a refletir a importância do meio ambiente. Todo mundo sabe que água significa vida e, a gente não pode acabar com a água. Imagine o Riacho Calango secar. Se a gente continuar a desmatar a mata ciliar vai acabar com os riachos aqui, daqui a pouco tempo. O projeto ainda tá andando, foi construído o viveiro. Eu vejo que um viveiro é essencial, porque a gente só desmata, ninguém planta, ninguém refloresta. O que eu vejo no Multideca não é um curso só de um ano, mas vejo que ele é muito importante a longo prazo. Nós, a associação Construindo Sonhos vemos se cada um da cidade entra com a contrapartida deles – dá certo – tal qual a Precavi, que nos ajuda com administração; os donos da terra que nos deixam limpar o rio, preservar as nascentes, plantar as mudas e, a prefeitura, pois é um problema municipal. Eu e os nossos parceiros da associação achamos que não tem coisa mais importante do que a proteção do meio ambiente, porque é vida e temos de proteger. Para nós o futuro é: reciclar, reproduzir e reflorestar.


Não tem coisa mais importante do que a proteção do meio ambiente, porque é vida e temos de proteger. Para nós o futuro é: reciclar, reproduzir e reflorestar.


Essa é a visão de futuro com este projeto?

Sim. É nossa visão para o futuro.  E como melhor a fazer, nós queremos sensibilizar os adolescentes, porque eles são nosso futuro da cidade e, eles são quem têm de resolver os problemas que nós deixamos para eles [risos]. E ao mesmo tempo não é pra nós deixarmos problemas para eles, mas já começar a resolver junto com eles, por isso queremos informá-los: o que é mata ciliar, como funciona o rio, o que é o sistema do meio ambiente, e a sustentabilidade; a responsabilidade, comprometimento de reduzir nosso lixo, reciclar e também reflorestar nossa região, que está se acabando com o desmato que vejo aqui.

Isso são desafios. Qual seria o maior? Seria conscientizar os adolescentes, as pessoas? Porque elas ainda são muito alheias a essa questão. Todo mundo fala em preservar. Fala que é importante, mas na hora de fazer…

Eu vejo um desafio grande aqui. Falta a sensibilidade de proteção do meio ambiente; joga lixo em qualquer lado [por exemplo], mas ainda temos tempo para resolver o problema.

Vejo que este é um sonho a ser realizado. O nome da associação é Construindo Sonhos. Como surgiu a ideia para o nome da associação? Tem uma bandeira que faz jus a este nome?

Nós queremos dar condições aqui, mas não chegarmos aqui na nossa cidade, que eu já chamo assim e, falar: ‘ei pessoal tem que fazer isso, tem que fazer aquilo, não. Nós chegamos aqui e queremos deixar crescer o sonho construído na mente da pessoa daqui mesmo. Não somos nós quem mandamos: tem de fazer o curso de pedreiro, o Multideca, não. Nós queremos apoiar.

E sobre a logomarca da Associação Construindo Sonhos? Ela tem um sentido bem peculiar.

Você já viu? No meio da nossa ideia é o homem, o cidadão, a pessoa que nós queremos capacitar com os cursos; está na mão deles, de seguir a vida deles, de poder fazer uma renda, de alimentar a família. E nós queremos capacitá-los.

Eu sei que há essa parceria da Construindo Sonhos com a Associação Precavi. O que Fortaleza do Nogueiras pode esperar mais dessa junção, vamos dizer assim?

A minha visão é de continuar, mas também vamos precisar do apoio daqui, da prefeitura com a contrapartida, senão nós vamos parar, porque somos de muito longe. Até hoje está funcionando, se vai continuar para o futuro a gente continua também, mas precisamos da contrapartida do município. Temos a equipe da Associação Precavi, do Vida Nova, que sem eles não seria possível. Sem eles eu nem ia chegar aqui. Eu também tenho muita confiança para trazer os recursos, que agora [risos] já são um valorzão.


Sem a equipe da Associação Precavi, do Vida Nova não seria possível ter chegado até aqui.


Você disse para mim do seu sonho, vontade sua. O que seria?

Lá na Suíça eu tive muitas oportunidades. Fiz pós-graduação, terminei agora o meu mestrado de Administração de Empresas; eu tive minhas oportunidades. O que eu quero é oferecer a cada um ou cada uma de Fortaleza dos Nogueiras e também da região, o acesso, a possibilidade de fazer um curso que profissionaliza para o mercado de trabalho, que ele ou ela possa fazer a vida. É o meu sonho.


Meu sonho é dar a cada um ou cada uma de Fortaleza dos Nogueiras a possibilidade de fazer um curso que profissionaliza.


 

O que o motiva a continuar?

Eu tenho minha equipe na suíça, são 14 voluntários. São jovens que prestam o tempo deles, o tempo livre para ajudar aqui o pessoal. Eu me sinto muito orgulhoso quando eu vejo alguém, que já abriu a loja dele de moto; alguém que tá trabalhando como pedreiro, alguém que está vendendo salgado, me deixa muito orgulhoso. E sempre quando eu encontro alguém que fez o curso, que agora está ganhando dinheiro é muito bom, isso que me motiva.

Qual a contribuição para a participação nos cursos? Os cursistas despendem algum valor pecuniário?

Não, não. É gratuito. Apenas uma taxa simbólica para efetuar a matrícula (a qual é usada para pagar a hospedagem do instrutor, a conta de energia etc.). O que nós cobramos à pessoa que entra em algum curso é que ela participe, não desista. Pois do contrário, apenas tirou a vaga de outra pessoa.

Propiciar esses cursos e todo esse trabalho social que você vem fazendo demanda custos, evidentemente. Como é angariado recursos para financiar esses cursos? 

Muita gente aqui pensa que esse suíço que vem de longe, é rico e que paga o curso que quiser, porque ele pode, mas não é assim, não. Eu sou o presidente da Associação que eu fundei e tenho uma equipe de 14 voluntários que me ajudam. Lá também é uma luta, nós vamos atrás; fazemos uma feira de natal cada ano e, lá nós vendemos bolos, produtos artesanais, que a gente faz, para criar o fundo. E eu também mantenho um sistema de apoiadores; eles fazem tipo um contrato e entram com um valorzinho cada ano. Agora já chegamos a 200 apoiadores, que são pessoas simples, pessoas privadas, que são trabalhadores também, mas que doam pequena parte do salário para este projeto. Eu juntei tudo e dá para fazer os cursos aqui.

Tudo isso em prol do outro.

É. Amor ao próximo [risos], mesmo longe; o próximo não é muito próximo, não. Acho que é amor ao longe [mais risos]. Nós não somos uma associação rica assim como um banco, somos pessoas simples apoiando pessoas simples. Eu faço a ponte.


Nós não somos uma associação rica assim
como um banco, somos pessoas simples
apoiando pessoas simples. Eu faço a ponte.


 

 

Um breve pingue-pongue:

Idade
Vinte e nove
Programa Vida Nova
Amor
Associação Precavi
Iniciativa muito ampla
Projeto futuro
Capacitar cada um e cada uma aqui
Como se sente agora
Orgulhoso.

 

A entrevista foi gravada antes da pandemia do novo coronavírus.

Colaborou Maria José Brito (fotos e vídeos) – Assistente Administrativo da Associação Precavi.

 

 

 

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Alex de Brito Limeira é jornalista e escritor. Esteve sete vezes entre os melhores novos escritores do país em concursos literários promovidos por casas editoriais de São Paulo e Rio de Janeiro. Em Abril de 2011 lançou o romance O Crime da Santa. Foi repórter no jornal Folha do Maranhão do Sul, em Carolina – MA; Instrutor autônomo de redação discursiva e dissertativa. Em Fortaleza dos Nogueiras é pioneiro na comunicação social - jornalismo, ao fundar, editar e apresentar o Jornal da Cidade, na rádio Cidade FM de 2003 a meados de 2004. Foi âncora do Jornal da Cidade na antiga TV Cidade, editor e apresentador do jornal de mesmo nome na Rádio Cidade FM. Fundou a Gazeta Sul Maranhense (Fortaleza dos Nogueiras e região) e o site Gazeta OnlineG, que está em plena atividade. Em dezembro de 2022 torna-se um dos vencedores do desafio de criação de micro contos com o limite máximo de 150 caracteres e passa a compor a coletânea SEJA BREVE, SENÃO EU CONTO da Editora Oito e Meio de Flávia Iriarte - Rio de Janeiro.